Restrições de visto para tripulantes podem prejudicar a economia e a sociedade brasileira
O debate sobre a exigência de visto para tripulantes é uma questão urgente que afeta diretamente o setor de aviação e a economia brasileira. Esta medida, que parece desconsiderar os decretos já estabelecidos há mais de 70 anos, pode gerar sérios prejuízos não apenas para os brasileiros que querem viajar, mas também para setor de cargas/exportações
11 dez. 2023
Para a Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo - ALTA, o debate sobre a exigência de visto para tripulantes é uma questão urgente que afeta diretamente o setor de aviação e, consequentemente, a economia brasileira. Esta medida, que parece desconsiderar os decretos já estabelecidos há mais de 70 anos, pode gerar sérios prejuízos não apenas para os brasileiros que querem viajar, mas especialmente para o setor de exportações/cargas.
Qual a lógica em mexer em regras estabelecidas há tantos anos, que passou por todos os governos e que cumpre exatamente o que foi estabelecido e assinado pelo Brasil quando aderiu a OACI/UN (Organização de Aviação Civil Internacional)? Está na hora de pensar se o chamado das associações como ALTA, IATA, JURCAIB, A4A, não é um alerta importante para o grave erro que o Brasil está prestes a cometer, prejudicando a sua própria população. Dados da FERMAC Cargo mostram que atrasos nos transportes dos insumos devido a exigência de visto para tripulação podem impactar de maneira negativa no setor, afetando mais de 15 mil toneladas/ano, somente via FERMAC, que vão para EUA e Canada. Isto significa mais de 100 toneladas por dia. E tudo isso está acontecendo sobre uma base equivocada do princípio da reciprocidade que, em 70 anos, sempre manteve os acordos da aviação e o respeito ao anexo 09 do protocolo de ICAO que trata sobre a facilitação a tripulantes.
Sobre um estatuto que nunca foi aplicado à tripulação, o movimento do Itamaraty já está gerando incerteza em contratos de cargas e programação de voo para Brasil. E o grande prejudicado será, justamente, a população que deveria apoiar, onde não apenas a competitividade pode ser comprometida, como também a imagem de um dos países mais fortes da aviação no grupo I da ICAO e que deveria defender as suas regras. Todas as associações estão deixando claro que a operação da aviação sofre especificidades que precisam ser ponderadas. Mencionam que 100% dos voos que vão e voltam para o Canadá partindo do Brasil, mais de 60% dos voos que vão e voltam dos Estados Unidos, assim como parte da equipe de um dos grandes hubs para os brasileiros na América Central (o Panamá), são com tripulação estrangeira. Nesses voos, é possível observar que os passageiros são brasileiros com suas famílias. Prejudicar o movimento da tripulação é prejudicar o próprio povo que iria fazer uso do voo. Cancelamentos e atrasos serão esperados quando poderiam ser evitados. E é isso que se roga.
A exigência atingirá mais de 100 mil tripulantes apenas da American Airlines, Delta, United, Air Canadá, além do setor de logística como a Fedex, UPS, DHL, Cargolux, Qatar Cargo, Emirates Cargo, e várias outras, que hoje tem quase 100% da tripulação americana. Dados da ALTA indicam que hoje são operados 800 voos mensais de passageiros com tripulação norte-americana e 98 com tripulação canadense. Além disso, os voos de carga entre EUA-BR chegam a 271 por mês. Os números não mentem e não podem ser ignorados.
O CEO da Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA), José Ricardo Botelho, destaca a importância de uma visão ampla sobre esta questão. Para Botelho é fundamental que as autoridades brasileiras não sigam no sentido de exigir visto para tripulantes, e considerem não apenas o impacto imediato nos voos, mas também os efeitos a longo prazo na competitividade do Brasil no mercado global. A nossa história sempre mostrou que o país estava na linha correta ao não embaraçar o processo de facilitação de tripulantes.
O princípio de reciprocidade não é, e não deve ser encarado de maneira absoluta. Por isso é muito utilizado para a proteção daquilo que uma nação acredita vá garantir segurança para seu povo. Mas não é o caso aqui, quando tal princípio é utilizado sem uma análise mínima com os demais envolvidos ou interessados no tema, como se faz em uma AIR (Análise de Impacto regulatório). Aliás, essa é a razão pela qual a lei de processo administrativo Lei n 9784/99 estabelece que a melhor política em casos assim deve ser procedimento com audiência pública e a decisão coordenada (com a modificação trazida pela lei n. 14. 210/21). Ou seja, é imprescindível que sejam chamados à mesa os interessados, a ANAC, a SAC, os Ministério da Justiça, de Aeroportos, de Turismo e - até mesmo pelos impactos econômicos negativos - o Ministério da Fazenda. Tripulantes não são turistas. São trabalhadores essenciais para a indústria da aviação e, por conseguinte, para a economia nacional e para o bem-estar do povo Brasileiro. O fato de que esses tripulantes vêm a trabalho, não para passear, não deve ser desconsiderado. Pior ainda é que, sem qualquer culpa das companhias aéreas, a medida possa gerar cancelamentos e atrasos que depois serão cobrados nas milhões de ações judiciais que assolam o país. Mais custos serão gerados em um sistema que já foi duramente atingido pela pandemia.
Tripulantes em serviço dos Estados Unidos, Canadá e Austrália estavam isentos de visto desde o decreto de 1413/1995. A normativa está alinhada com a Convenção de Chicago, da qual o Brasil é signatário, que define regras para facilitar o transporte aéreo. Aliás, mesmo antes, um outro decreto, (32.040/1952) tinha o mesmo tom, confirmando que a tradição brasileira, há 70 anos, tem sido a mesma: isenção de visto e passaporte para tripulantes, em nome da facilitação do transporte aéreo. Brasil, não é hora de retroceder. A aviação e seus tripulantes são fatores de desenvolvimento e devem ser encarados como uma estratégia de estado para mais conectividade, mais desenvolvimento, para melhores tarifas e muito mais. Quanto mais aviação houver neste país continental, maior será o bem-estar social.